Sociedade civil, meio ambiente e mudanças climáticas
Índice do dossiê
- Introdução
- Após compromissos débeis na COP 17, o que esperar da Rio+20?
- O caminho até a Rio+20
- Rumo à Rio+20: por que a economia verde proposta pelo PNUMA levaria a conferência e o planeta ao colapso?
- Rio+20 e os novos tabuleiros da política internacional
- Políticas nacionais vão à contramão do enfrentamento real das mudanças climáticas
- Mapeamento de Projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) no Brasil
- Agricultura climaticamente inteligente: o que há por detrás?
- Começa a COP 18 no Catar
- Mudanças climáticas e a relação campo e cidade
- Mudanças climáticas e injustiças ambientais: Porque as cidades têm dificuldades para enfrentar o problema
- Contra uma avalanche verde, aposta nos territórios do futuro
- Subsidios para o debate sobre Pagamentos por Serviços Ambientais no Brasil
- Direito Humano ao Meio Ambiente
- O Fundo Dema, fundo pela justiça ambiental na Amazônia
Políticas nacionais vão à contramão do enfrentamento real das mudanças climáticas
Este artigo foi publicado há mais de dez anos. Por conseguinte, as informações nele contidas podem estar incompletas ou desactualizadas.
Este texto está sendo escrito enquanto se realiza em Doha, no Catar, a 18ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas – COP 18. O Brasil aproveita para divulgar que reduziu em 30% as suas emissões de gases do efeito-estufa, e a Organização Mundial de Meteorologia - OMM para informar que 2012 será o nono ano mais quente desde as medições iniciadas em 1850. Em Conferência anterior, realizada em Kyoto, em 1997, os membros da ONU presentes tinham chegado a um acordo (o Protocolo de Kyoto) que fixou metas de redução das emissões desses gases a serem cumpridas pelos países desenvolvidos/industrializados.
Esse acordo está chegando ao fim da sua vigência e não haverá outro compromisso oficial. É verdade que o Protocolo de Kyoto não conseguiu fazer com que se alcance uma redução real das emissões.
Num mundo em que o modelo de produção e de consumo capitalista continua aparecendo como a única forma possível de desenvolvimento e os governos entendem que a sua sobrevivência e a dos seus países dependem dele, no meio de tantos conflitos, não é de se admirar que o futuro do planeta e da humanidade não esteja na ordem do dia.
Porém, o futuro já começou. Os cientistas nos alertam que o aquecimento do planeta não significa apenas um aumento linear e geral do calor, mas também “eventos extremos”. Eles nos informam igualmente que o estado atual das pesquisas não permite dizer em que proporção o aquecimento do planeta contribui para a violência desses eventos. A televisão e a internet tornam próximas as cenas de furacões, secas, enchentes, tempestades de neve, incêndios se avizinhando perigosamente das nossas vidas. Num mundo urbanizado (lembremos que, segundo o censo de 2010 do IBGE, a população urbana representa 84% da população brasileira), as perspectivas são alarmantes, ainda mais em países com características como o Brasil.
A forma como o Estado e a sociedade têm formulado resposta ao enfrentamento das mudanças climáticas ainda parece bastante aquém da complexidade com que a problemática se apresenta.
Em 2009, foi construída a Política Nacional sobre Mudança do Clima que estabeleceu um compromisso voluntário de redução de emissões entre 36,1% e 38,9% até 2020 em relação ao que o país emitia em 1990. [1] Ela prevê uma série de planos setoriais visando o alcance dessas metas de redução. Não é propósito analisar extensamente os planos setoriais e a Política Nacional. Todavia, nota-se que, do ponto de vista do enfrentamento das causas, as estratégias a nível nacional tem se pautado mais em medidas econômicas e de mercado do que em planejamento de longo prazo. Este seria capaz de reestruturar o sistema de mobilidade e estabelecer mudanças estruturais no perfil industrial e energético do país.
Análises realizadas por pesquisadores e organizações da sociedade apenas sobre o plano setorial de transporte revelam que “o plano deixa de abordar entre seus objetivos, iniciativas que visem à redução da demanda de viagens, elemento emergente e crucial para uma mobilidade e consumo mais sustentáveis e, consequentemente, a redução de emissões de GEE”. [2] Outro aspecto negligenciado refere-se à urgente necessidade de redução no custo do transporte urbano e estabelecimento de mecanismos de subsídio de investimento em transporte público e não motorizados.
Sem que se estabeleçam relações entre energia e clima, documentos de planejamentos nacionais, a contramão de qualquer política climática, apontam para a necessidade de expansão acelerada da produção de energia. É assim que o Plano Decenal 2020 prevê que a capacidade instalada no Sistema Interligado Nacional (SIN) deverá crescer em torno de 60.000 MW em 10 anos. Isso corresponde a um acréscimo de mais de 5.000 MW de capacidade instalada anualmente, o que corresponde a um terço da potência instalada da usina de Itaipu (14.000 MW/ano). Isso significa que a cada três anos o país terá de incluir no sistema a mesma quantidade de energia produzida anualmente pela maior de suas usinas.
No plano local, onde as mudanças climáticas se fazem sentir, os desafios não são menores. O caráter tecnicista com que são formuladas as soluções de enfrentamento a nível local contribui para a fragmentação da análise e da busca de soluções. Essa fragmentação também se coloca a partir de uma dinâmica onde a cada unidade municipal é dada responsabilidade de formular medidas mitigadoras e de enfrentamento às tragédias relacionadas às mudanças climáticas.
Assim, como consequência, as ações do poder público local não consideram a relação entre o modelo agroexportador, os déficits hídricos urbanos, a migração às cidades e o padrão excludente de ocupação do solo urbano, por exemplo. Neste sentido, o padrão excludente que organiza a dinâmica urbana é mantido e com ele a vulnerabilidade e a desigualdade ambiental que as mudanças climáticas tendem a aprofundar.